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quinta-feira, outubro 27, 2005

Aprofundar a cidadania

A cidadania é um direito primordial e um dever fundamental em democracia. É que a liberdade dos cidadãos só ganha sentido quando se completa com a sua participação empenhada na resolução dos principais problemas que se colocam à sociedade. Por outro lado, uma democracia moderna só encontra a sua legitimidade autêntica quando entre os cidadãos e a sua representação institucional se estabelece uma interacção dinâmica permanente, responsável e consequente.
Como escreve o conhecido filósofo José Gil, “se a liberdade é o máximo possível da expressão, em sociedade, das múltiplas liberdades e direitos democráticos no campo social, não se pode, hoje, dissociar direitos democráticos e direitos de cidadania. A cidadania política, que engloba as eleições livres como o direito universal de escolher os seus representantes, não se concebe sem os direitos sociais, iguais para todos – direitos à educação, à saúde e todo o tipo de serviços sociais”.
A democracia é, hoje, a via única do futuro e a cidadania a sua referência sinalizadora, ou seja, da forma como a cidadania for exercida dependerá a qualidade da democracia. Mas a sua prática mistura-se, no dia-a-dia, com as mentalidades e as realidades sociais, e nessa relação reside o seu principal problema. E, infelizmente, onde o progresso é menor é onde a democracia e a cidadania menos são vividas e praticadas, e, por isso mesmo, onde a mudança é mais necessária é onde há menos vontade, ou mais incapacidade, de a promover. Sequelas de uma cultura rural tradicionalista onde o participação cívica, a iniciativa individual, o espírito crítico ou a reivindicação legítima colidem, ainda, com mentalidades ancestrais feitas de inibições individuais e colectivas, receios inconscientes, respeito temeroso, reverência tímida ou passividade submissa. Heranças de décadas de ideologia política em que tudo o que acontecia era determinado de cima, a ordem e a obediência eram os valores centrais e a sociedade uma totalidade orgânica onde os cidadãos quase não existiam. Reflexos, enfim, de dogmatismos, preconceitos, moralismos, complexos e medos que condicionam a expressão da liberdade, bloqueiam o conhecimento, confundem e dividem as pessoas, desvalorizam o papel do cidadão e bloqueiam o progresso e o desenvolvimento.
O atraso social e económico e o alheamento cívico são por isso duas faces da mesma moeda, podendo afirmar-se que a ausência de cidadania é o mecanismo ideal de reprodução das desigualdades sociais e regionais, porque quanto menos se conhecerem os direitos menos uso deles se fará. Ao invés, quanto melhor se entender o funcionamento da democracia, quanto mais partilhado for o seu conhecimento, quanto mais a sua prática se desenvolver, mais probabilidades existirão de participar no desenvolvimento do país. É que o baixo nível de consciência de alguns no exercício activo dos seus direitos de cidadania permite aos governos que esqueçam ou adiem a resolução dos seus problemas em proveito de outros que os exercem de forma mais reivindicativa, o que leva José Gil a concluir que “é, no fundo da nossa ignorância que geralmente nascem os problemas”. Por isso nunca será de mais afirmar que a cidadania é realmente a chave do desenvolvimento.
O apelo à tomada de consciência dos cidadãos para os seus direitos de cidadania é hoje um dos principais desafios que se colocam ao futuro das regiões mais desfavorecidas do país. A criação de espaços públicos de discussão livre e construtiva dos problemas e de aprofundamento prático da democracia constitui um indispensável aliado de uma política consequente de progresso económico, social e cultural virada para as necessidades concretas das populações. Isto não significa, como alguns pretendem fazer ver, aumentar a conflitualidade, mas, ao invés, criar diferenças nos consensos que conduzam à formação de comunidades mais coesas, mais solidárias e mais fortes. De outra forma, ainda que se verifiquem algumas melhorias infraestruturais básicas, a vida nunca será mais que uma «não-existência».
Monteiro Valente

quarta-feira, outubro 19, 2005

Os jovens e a participação cívica

No texto “ Uma iniciativa oportuna” defendi o papel que este blogspot poderá vir a ter como fomentador da troca aberta e construtiva de ideias sobre os problemas de interesse para a Miuzela e para a comunidade Miuzelense.
A criação de espaços de discussão livre é um indispensável aliado de uma política de desenvolvimento virada para a promoção de melhores condições de bem-estar e qualidade de vida e para a realização dos objectivos comuns das comunidades locais.
Uma maior participação dos Miuzelenses no debate e na resolução dos problemas que interessam ao desenvolvimento integral da sua aldeia natal e da sua comunidade é um dos principais desafios que se lhes coloca hoje, porque quanto menos eles se discutirem menos serão conhecidos e mais limitada será a sua solução.
Infelizmente não é isso que tem acontecido. Quase tudo se tem passado em circuito fechado: a política é ditada por fidelidades, o poder é exercido de forma personalizada, a crítica é interpretada como ataque pessoal, a discussão é paralisada pelo receio de se ficar mal visto e os comportamentos são condicionados por uma moralidade feita de surdinas. O resultado é uma comunidade amorfa, resignada, passiva.
Assim não há debate que surta efeito, não há cidadania que se aprofunde, não há democracia verdadeiramente livre. O que há é uma “não-existência” ou, pior, um “medo de existir”, para utilizar a expressão que dá título ao livro de José Gil.
Num quadro destes, as principais vítimas são as gerações jovens, condenadas a viver um presente que lhes é alheio e a herdar um futuro que lhes é imposto, pela quase ausência de dinâmicas interindividuais e intergeracionais. Por isso, é fundamental que percebam que só se transformarão em homens adultos através da sua autodeterminação e que para a conseguirem a participação cívica tem um papel fundamental, donde resulta a necessidade de uma actuação positiva nesse sentido desde o mais cedo possível no seio da comunidade a que pertencem, se querem um futuro que seja primariamente seu.
E hoje os jovens têm ao seu dispor novos instrumentos para romperem o cerco. Este blogspot poderá ser um deles. Assim o saibam compreender e utilizar, porque o futuro da Miuzela impõe a abertura de novos espaços de diálogo entre os Miuzelensas.
Monteiro Valente

sábado, outubro 15, 2005

Uma oportuna iniciativa

Congratulo-me com esta oportuna iniciativa, que abre a Miuzela às mais modernas tecnologias de comunicação.
Formulo votos para que este blogspot se venha a transformar num profícuo instrumento de diálogo entre todos quantos constituem a comunidade miuzelense, onde quer que vivam, estudem ou trabalhem, contribuindo para o reforço da sua coesão social e para o fortalecimento da sua identidade cultural. E que, ao mesmo tempo, sirva para promover a criação de um espaço livre e aberto de debate de ideias, fomentador de uma maior participação colectiva no debate construtivo dos problemas que afectam a sua aldeia natal e a própria comunidade miuzelense. Sendo uma tecnologia especialmente preferida pelos jovens, este blogspot poderá, ainda, vir a desempenhar um importante papel com vista a uma melhor integração intergeracional da comunidade miuzelense e a uma mais activa intervenção da sua juventude na discussão dos problemas e na realização dos objectivos acima referidos.
Assim esta iniciativa seja compreendida, apoiada e desenvolvida.
Parabéns.
Monteiro Valente

quinta-feira, outubro 13, 2005

Carta Aberta aos Miuzelenses


Caros conterrâneos, escrevo-vos na qualidade de filho da terra (algo desterrado tanto dentro como fora dela), e tomo esta atitude nesta precisa altura, não porque tenha alguma ligação política ou partidária, mas antes, porque sinto uma revolta acumulada em alguns anos pelo estado de inércia a que a nossa aldeia chegou e que atingiu o auge neste período. Quando falo em inércia não digo de dirigentes políticos mas sim da aldeia como um todo (onde eu me incluo).

Não me venham dizer "Miuzela Arriba" quando reina a inveja. Não me venham dizer "tens de ir à missa" quando o que se passa na vida quotidiana, exagerado neste período de campanhas, são ataques de mesquinhes pessoal. Não me venham dizer "prometemos" quando já ninguém está a "ouvir".

Sou um inconformado e enquanto tal questiono tudo e todos, foi para isto que se lutou pela democracia e pela liberdade, só assim usamos toda a inteligência com que fomos criados. Os dogmas são dos tempos feudais em que um punhado de pessoas nascidas em berço de ouro, pretendiam deixar na ignorância os restantes, para os poder "dominar" e disso tirar vantagem.

Entristece-me que seja criticado pelo facto de querer aprender, entristece-me o facto de isso não parecer importante dos dias de hoje, entristece-me que essa minha vontade seja conotada com objectivos pessoais.
Tenho a dizer o seguinte: quem estiver a bem com a sua consciência e as suas opções de vida, não devia sentir-se incomodado com isso pois as suas convicções seriam mais que suficiente meio de resposta e apresentar-me-iam argumentos coerentes e validos. Só posso depreender que as minhas interrogações constantes ao estado actual de coisas seja levado como um ataque pessoal se, não reina a tranquilidade e a base sólida na argumentação, levando ao "sim" porque "sim", ao seguidismo e aos "dogmas" do tempo da Idade Média.
Se é este o caso e se o que eu possa dizer sirva, por vezes, para que questioneis as vossas "verdades absolutas", já serviu o objectivo.
Só assim é possível que o mundo avance e evolua.

Assim, quando vos prometem, ou comprometem (agora já não sei bem a "diferença"), grandes estradas, perguntem "porque elas não vos trazem ver os filhos à aldeia mais vezes?".
Quando vos prometem desvio de águas pluviais e piscinas, perguntem "porque temos falta de água no verão?".
Quando vos prometem pavilhões, perguntem "porque só se enche de politiquice barata?".
Quando vos prometem um "pólo escolar dos maiores do concelho", perguntem "para quantas crianças?".
Quando alguém pergunta: "Não me conhecem pelo que eu fiz e pelas minhas famílias" perguntem "será que ele é mesmo o que afirma ser, será ele um Deus?".

Não gostava que a minha "opinião" fosse dada por meras coordenadas em papel ou símbolos políticos, nem por um hábito irreflectido, só porque não tive vontade de pensar.

Tenho de viver uma realidade construída por outros (jogos políticos de reformados), pois nunca me perguntaram vontades ou projectos. A falta de transparência é sempre um "cheque em branco".

É tempo de os miuzelenses tomarem uma atitude activa e mesmo proactiva em relação aos destinos da Miuzela, de serem exigentes, conhecedores e criativos.

Acredito que se possa levar uma vida mais feliz e pacata se não se questionar ou interrogar os valores e padrões em que se acredita, ou talvez achar que já não se tem idade para isso (esta é para ti vó), no entanto só temos uma vida e só com a contínua busca pelo conhecimento a podemos "viver" inteiramente.

A todos um abraço,

José Gonçalves Pinto