...com alma, com gentes, com sabores, com sensações, com saudades...

segunda-feira, agosto 14, 2006

A Miuzela e o Pinho Redondo

Enquanto o país arde com regularidade e bombeiros se esmeram a preservar os restos da floresta, espécie de lastro que no próximo ano há-de servir para os incêndios que hão-de voltar, recordo a aldeia da minha infância.

Fogos havia-os, às vezes, nas habitações de cuja loja era mister salvar logo os animais, pela falta que faziam e dificuldade de os revezar e, de imediato, as crianças que o dever cristão impunha, ainda que as febres as levassem pois eram poucas as que arribavam em tempos que era precária a higiene, inquinada a água e minguada a assistência médica.

Nos campos não havia fogos. Duas léguas em redor nem uma gesta vingava, não crescia um chaparro, nenhuma planta sobrava para a queima inútil dos fogos que hoje devoram o mato, recolhidas por padeiros que não deixavam arrefecer os fornos que coziam trigo para abastecer os mercados e feiras num raio de meia dúzia de léguas ou mais.

Há anos disseram-me que a Miuzela esteve em perigo, que o fogo chegou às casas e entrou pelos caminhos da povoação, como se as casas tivessem mudado de sítio ou a aldeia tivesse acompanhado a sua gente nos caminhos da emigração.

Desse tempo restava o pinho redondo a cuja sombra me acolhia a jogar a bisca de nove ou a sueca, se havia parceiros, em tardes longas de canícula e convívio. A imensa copa era excepção numa terra sem árvores, expulsas pelo cultivo da vinha e o amanho das hortas. Só os freixos delimitavam os lameiros e alguma figueira teimava em sobreviver por entre as fisgas de terra que separava os barrocos.

Este Verão fui à Miuzela, como de costume. O pinho redondo tinha desaparecido do horizonte, quando fiz a curva junto à vinha do Panelo e não o vi ao passar o Espadanal.

Só muito perto vi o tronco de que logo afastei o olhar. Alguém feriu as raízes e, como um veneno que se entranha, secou a árvore que fazia parte da aldeia e da memória.

Primeiro foram as pessoas que amei, agora até a vista do velho pinheiro me roubaram. O pinho redondo era o último elo de uma cadeia de afectos que se vai rompendo.

Não assisti aos gemidos do pinho manso no seu estertor, não vi o gigante tombar, sofri apenas o vazio da memória. Dolorosamente.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Semana da Juventude