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domingo, setembro 17, 2006

Sinos da minha aldeia

Na aldeia o sino da torre ainda insiste nas meias horas e, com intervalo curto, na repetição das horas diurnas. Calam-no, de noite, para não perturbar o sono de citadinos em férias. O relógio comunitário ignora os seus homólogos, no pulso dos cidadãos, a sua fiabilidade e a facilidade da consulta.

À força de se repetir vão-se as pessoas esquecendo de escutá-lo e de lhe prestar atenção. Se acaso parar poucos darão pela falta e o abandono será o destino fatal que já o condena. Viverá enquanto não se partir a corda e o maquinismo não encravar.

Mingua nas presas a água que regava os campos à claridade da aurora. Secaram as fontes que alimentavam regatos, mantinham viçosos os prados e os defendiam da canícula.

Falta a água, seca a erva, ficam maninhos os campos. Os velhos vão mirrando enquanto os novos se fizeram à vida e abandonaram as terras e os pais.

Também na igreja o sino chama os paroquianos para os actos litúrgicos com o som triste de quem envelheceu com as pessoas e trina por hábito, sem convicção nem entusiasmo dos que ainda o escutam.

Só os emigrantes iludem, neste mês de Agosto, a solidão e abandono a que o interior de Portugal está votado. Foi longo o processo, mas eficaz, penoso e irreversível.

(Publicado no Jornal do Fundão, 15-09-2006).

4 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Aludindo ao ultimo parágrafo, parece que o "desgoverno" já tem solução, pois os economistas mandões do autointitulado Compromisso Portugal quer compar por lá umas terrinhas ...!

10:00 da manhã

 
Anonymous Anónimo disse...

O silêncio das Aldeias é um tema controverso. Por um lado, deixámos de ouvir o ruido próprio da actividade agricola, os chocalhos dos animais e rebanhos, os incentivos do lavrador às bravas juntas de bois, misturados com advérbios especificos, os cantares dos ceifeiros. Este é o sinal do lento definhamento. Por outro, há uns pacóvios, normalmente liderados pelo pároco que substituiram o pachorrento bater dos antigos sinos, por novas tecnologias, debitando em altos centibéis o avé, avé, o treze de maio, não sei quantas vezes por dia. Como os crentes que se recolhem ao som "piroso" da mensagem/ convite à oração, já se contam pelos dedos, e alguns já com ouvido bastante duro, pergunto: Para que serve o relógio electrónico? Arrisco-me a aventar que será mais para chatear os que ainda têm bom ouvido e persistem resistir à desertifição e até acham que, tal como a música, o discurso do pregador também está desajustado. Conclusão: as igrejas constituem a maior fonte de poluição (sonora) das aldeias. Haja mais bom senso! Tambêm temos os nossos talibans ..Se um dia um cidadão quiser ter em casa uma maquineta debitando pelas mesmas tecnologias e periodicidade o avante camarada ou alá é grande, qual será a reacção do pregador ?? religião não deve servir para martirizar os praticantes e não só, mesmo quando dormem. E já não falo no custo e manutenção do disco piroso. E Se esses recursos fossem gastos em saúde, educação, civismo ...

5:09 da tarde

 
Blogger Celina disse...

Será que é mesmo assim? Será que se o sino deixar de tocar, as pessoas nem vão dar por isso?
Falando por mim... que vou à Miuzela 1, 2 vezes por ano, garanto que o sino faz parte do meu quotidiano miuzelense.

Deixou de ter a riqueza de toque que tinha, quando passou a ser automático... isso é certo... e já ninguém sabe tocar o sino como o senhor que o tocava quando eu era apenas uma "pitazinha" que perdida e achada nas férias estava na Miuzela...

O silêncio das aldeias do interior de Portugal é triste... e pena tenho de não ver a Miuzela como os meus pais a descrevem (dos tempos em que eram eles os garotos da aldeia)...

Outros tempos...

Mas não é impossível fazer com que a Miuzela tenha vida... EU continuo a lá ir... E há que fazer "mexer" a Miuzela... Tem potencial (humano e não só).

Até breve...

4:23 da tarde

 
Anonymous Anónimo disse...

ainda se pode fazer algo para matar a saudade.
Ainda é possível fazer a gravação dos vários toques que o sacristão actual sabe fazer.
Seria bom guardar tão precioso testemunho porque outras localidades já perderam essa oportunidade.

Entendo perfeitamente a opinião de Celine.
Na impossibilidade de reviver o passado maravilhoso, que eu também partilhei com os seus pais, a miuzela deve pular para o futuro.
A Roque

11:46 da tarde

 

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